quinta-feira, 1 de julho de 2010

Nas entrelinhas

essa história começa e termina em uma praça de alimentação de um shopping movimentado.

[...]

pessoas ao meu redor se empanturram de comida. bifes de contra filé com bastante gordura e nervos, filés de frango mal passado e rosados por dentro, saladas com bactérias e vírus ansiosos para adentar em um organismo cheio de matéria orgânica, picanhas sangrentas, arroz empapado, quilos de feijão que foram queimados pelo fundo da panela, frituras baratas de steaks de frango, batatas fritas encharcadas de óleo velho que cheira a motor de caminhão e sucos artificiais de laranja abarrotados de açúcar.

essa praça de alimentação é um retrato da humanidade. uma síntese da sujeira humana. o extrato da imundice. a polpa concentrada do sumo da merda. uma parte pelo todo. essas pessoas só se importam com elas mesmas. elas são sujas por fora e imundas por dentro. eles representam a maioria.

eu olho para o meu prato de relance e tenho a impressão de ver larvas se movendo. mas era só minha imaginação. eu afasto minha bandeja e começo a palitar os dentes. quando você está em uma praça de alimentação, afastar a bandeja significa que você terminou de se alimentar e quer se livrar instantaneamente de qualquer comida que esteja perto de você.

de repente ela aparece do meu lado e me indaga:

- posso?

eu a olho nos olhos e vejo de quem se trata. é ela. ela é linda. não merecia estar ali. é muito pouco para ela.
faço um gesto de 'sim' com a cabeça.

- obrigado - eu digo para aquela moça bonita que acabou de levar meu prato e minha bandeja. ela sorri e eu sorrio de volta.

enquanto ela se distancia da minha mesa com várias bandejas em suas mãos delicadas eu a imagino nua. bela bunda, penso eu.

[...]

o ser humano é interesseiro. as pessoas são fúteis. quer agradar alguém? massageie seu ego. dê-lhe um presente. é como trapacear. eu lembro de uma moça que trabalhava em uma empresa de limpeza de um shopping. ela levava as bandejas e os pratos da praça de alimentação para serem higienizados e retornados para os restaurantes. teoricamente, estas pessoas são invisíveis. ninguém as nota. você termina seu almoço e, enquanto palita os dentes, vem alguém e faz com que a bandeja e o prato desapareçam. você nem viu como aconteceu. como mágica.

mas essa moça era diferente. ela era bonita. muito bonita para trabalhar na limpeza. ela executava exatamente o mesmo trabalho que as outras, mas só ela escutava "obrigados" e recebia sorrisos. é lógico que, os homens que diziam "obrigado" e sorriam para ela, estavam querendo nada mais nada menos que uma boa trepada no banheiro masculino, talvez pegar o telefone dela para eventuais afloramentos de instintos sexuais pervertidos. eles sorriam para ela e imaginavam aqueles belos seios espremidos contra seus corpos. se imaginavam puxando seu cabelo tingido de loiro enquanto aplicavam tapas naquela bunda maravilhosa. o instinto é insaciável nas entrelinhas. as mulheres também eram educadas com ela. afinal, estavam falando de igual para igual. todas se julgam superiores.

a feiúra significa burrice. significa inabilidade, incapacidade, incompetência. e a beleza, obviamente, o contrário. a beleza atrai beleza. é algo divino. o próprio deus a escolheu. portanto, os belos são superiores. não é? é... o resto das moças e dos homens que trabalham naquela empresa não recebem a gratidão que a moça bonita recebe. mas isso é lógico... você não diz "obrigado" por elas terem levado seu prato, afinal é o trabalho delas. elas estão sendo pagas para fazer aquilo. se estão achando ruim, o problema é delas. elas não estudaram o bastante para garantir um emprego melhor.

ninguém diz "obrigado" quando você está pagando para ter aquilo feito. você trabalhou duro para poder pagar por aquele serviço. você estudou para ter seu emprego. você tem o seu próprio dinheiro. foi seu suor. seu tempo. sua paciência. todos esses fatores em jogo. você não precisa falar "obrigado". você está pagando e o quer feito. certo? se você respondeu "sim", você não é diferente de nenhuma dessas pessoas da praça de alimentação.