sexta-feira, 26 de março de 2010

O último Ancião

Existia um homem que morava sozinho há muito tempo em uma colina. Esta colina não tinha nome. As pessoas simplesmente não iam até ela. Portanto, não havia necessidade de um nome. O homem não tinha nome. Ele não era chamado por ninguém. Portanto, não havia necessidade de um nome, também. As pessoas que habitavam aquela pequena cidadezinha nada perto da colina sabiam da existência dos dois: da colina e do homem. Mas ninguém se importava ou via necessidade de se importar com eles. Ninguém sabia como ele vivia, se já havia ficado louco, se conversava com ele mesmo ou com as coisas ao seu redor. Mas todos sabiam que ele existia, mesmo não tendo um nome. Eles não se referiam a ele. Ele simplesmente ficava lá. Já estava lá quando as pessoas chegaram, há muito tempo. Mas as pessoas que moravam nada perto da colina quase não se lembravam dele. Muitas vezes as pessoas se esquecem das coisas. E assim, as coisas são esquecidas. Para sempre.

Certa vez, um menino muito curioso foi até a colina sem nome para tentar encontrar o homem sem nome.
Ele não sabia como o chamar. Não sabia nem se ele falava. O pequeno rapaz tinha por volta dos 11 anos.

O garoto, que havia perdido os pais, vivia com uma prima de sua mãe. Mas ele não gostava nem um pouco dela: ela era velha, mandona, ranzinza, mal humorada e não o deixava brincar com as outras crianças da pequena cidadezinha. Ele a chamava de Bruxa Velha, quando ela não ouvindo. Ele realmente achava que ela era uma bruxa.

- Todas as bruxas são velhas chatas que odeiam crianças! - dizia o garoto, para si mesmo.

Ele achava que sabia onde a cabana do homem ficava. Foi andando até lá. A vegetação era às vezes, formada por bonitos bosques espaçados, cheios de folhas secas ao chão e, às vezes, uma espessa floresta verde e marrom com árvores centenárias mais altas que qualquer coisa que ele já havia visto na vida. Ele jurava que aquele lugar era a casa de elfos, duendes e seres malignos como trolls e goblins.

Após horas e horas de caminhada, ele se imaginou em outro país, bem longe de casa. Logo, a prima de sua mãe iria se preocupar e talvez procurar por ele. Mas a curiosidade do menino era maior que qualquer outra coisa, até do medo de levar uma bronca e uma surra da velha bruxa. Já estava bem escuro, ele quase se arrependeu de ter ido, mas não chegou a tanto. Ele estava com medo de voltar e também de continuar andando. Mas ficar parado estava fora de cogitação.

Ele, então, avistou a cabana. Ficava em um clarão na floresta, onde as árvores pareciam ter delineado um espaço calculado, mas não havia árvores cortadas. A luz da lua cheia iluminava e deixava o ambiente com luz azulada. Era algo bonito de se ver. Ele fixou o olhar na cabana. O teto era feito de palha e madeira. Suas paredes eram madeira pura. Sólida e um pouco espessa. Mas aparentava ser bem frágil, talvez pelo tempo de existência. E ela parecia ser bem velha. Ele a rodeou para ter uma vista melhor. Ele se aproximou da entrada da cabana, que possuía uma varanda coberta e com chão de madeira. Quando estava bem perto, quase em cima da varanda, escutou alguém vindo da mata, pisando em gravetos e folhas secas.

Era o homem que morava ali. Era a primeira vez que o garoto o via. Ele aparentava ser um pouco velho, talvez uns 60 anos, mas era muito mais velho que isso. Ele era alto, magro, esguio. Ostentava uma longa barba branca com algumas tranças aos lados, que eram presas por fios de couro, e cabelos igualmente brancos e longos. Vestia uma túnica longa, que ia até o chão, escura que parecia ser clara, mas pela sujeira, estava marrom, da cor das folhas secas que havia no chão da floresta. Usava botas de couro e pele de algum animal. Mais novo, o homem tinha a pele branca, rosada, mas parecia ter escurecido com o tempo. Lembrava madeira, carvalho. Tinha os olhos fundos e verdes muito claros. Suas mãos eram grandes, nodosas e calejadas. Ele parecia ser frágil, mas estava longe disso. Ele estava lá desde o começo dos tempos. Era um dos Anciãos, as pessoas que povoaram o lugar que conhecemos como terra natal. Ele acreditava ser um dos últimos do seu povo, mas na verdade era o último.

O garoto sentiu a aura de sabedoria e de confiança do Ancião, mas ele não sabia quem ele era de fato.

- Olá, garoto - disse o Ancião em uma língua antiga. O garoto não entendeu e se sentiu acuado.

- Onde estão meus modos... Falando uma linguagem morta com um dos Novos Povos... - disse para si mesmo, se castigando de maneira engraçada e atrapalhada.

Novos Povos era o termo que os Anciãos usavam para se referir aos povos que vieram a partir deles.

- Olá, garoto, não tenha medo de mim. - disse o Ancião, agora em um estranho dialeto antigo do qual o garoto entendia algo. Era a forma mais fácil que eles poderiam entrar em contato.

- Oi... - disse o garoto, timidamente, no mesmo dialeto.

- Não se acanhe nem se preocupe, não vou lhe machucar. Você é meu único hóspede em tantos anos. E chegou em uma boa hora. - sorriu o Ancião, mostrando seus dentes amarelos.

- Hora de que? - perguntou preocupado, o menino.

- Hora de tomar um chá! - respondeu o Ancião, tirando um ramo de ervas de várias cores de sua bolsa que havia coletado em sua trilha pela floresta. O velho passou do lado do garoto e foi em direção à porta e a abriu. Segurando a porta com o braço direito, ele se virou para o garoto e fez um gesto para que entrasse em sua cabana. - Vamos! Pode entrar.

O menino, ainda amedrontado, entrou na cabana. Ele percebeu que, ao entrar, o Ancião bateu três vezes na porta antes de entrar em sua própria casa e então entrou.

- Sente-se que irei ferver a água para lhe servir um chá.

O garoto se sentou em um tamborete feito de madeira crua, muito rústica e sem acabamento, a não ser por escritos talhados nas laterais em alguma linguagem antiga e desconhecida pelo garoto. Ele observou o velho se agachar ao centro da cabana, perto de um caldeirão de ferro de tamanho médio. O chão era forrado por algumas pedras e aparentava ser um local onde várias fogueiras foram acesas e apagadas. O Ancião acendia o fogo com pedras e madeira. O caldeirão estava cheio de água. O garoto olhou para os lados tentando entender a cabana do Ancião. Não era muito alta, mas um homem da altura do velho conseguia ficar em pé sem ter que se abaixar ou dobrar o pescoço para frente. Ele viu uma cama improvisada, no canto direito da cabana, de um tecido grosso, uma malha, pensou, de cor verde escuro e detalhes dourados bordados na mesma linguagem estranha.

Olhou para o lado esquerdo e viu uma mesa redonda de três pés e, em cima dela, pilhas de papiros e outros tipos de papéis arcaicos com textos, ilustrações de animais fantásticos e árvores que foram escritos e desenhados por algum tipo de tinta extremamente preta. Ao lado da pilha de papéis havia um pequeno pote transparente contendo a tal tinta. A ponta de uma pena, em pé, tocava o líquido.

- O que você sabe sobre a terra? - rompeu o silêncio, o velho.

O menino virou-se para ele. O Ancião estava agachado perto do caldeirão, selecionando as ervas que iria usar para fazer o chá.

- Não muito... É dela que minha família tira seu sustento.

O Ancião sorriu e então virou para o garoto.

- Muito bem. Uma relação de parceria. Vocês cuidam da terra e ela cuida de vocês. É assim que o seu povo deveria fazer, sempre. - e, de repente, fechou o sorriso, levantou as sobrancelhas em um ar pensativo e olhou para o chão, como quem fita o infinito. - Mas não é sempre assim que acontecem as coisas, infelizmente.

- Quem é você? - perguntou o menino, curioso.

O Ancião voltou a fitar o menino e o sorriso reapareceu.

- Eu? Bom, para contar quem sou eu, primeiro preciso contar a minha história e outra pequena história. Se me permite...

- Claro! - respondeu o garoto.

- Muito bem. Tem tempo que não conto esta história para ninguém. Na verdade nunca contei para ninguém. Quase eu mesmo esqueço-me dela. Ela começa mais ou menos com o começo de tudo, quando havia mais pessoas como eu e nenhuma como você. O mundo que você conhece era bem diferente. As árvores falavam mais. Os animais eram mais amigáveis.

- As árvores falavam?! - perguntou o garoto, descrente.

- Oh, sim, falavam! Elas continuam falando até hoje, mas só com as pessoas certas. E que belas vozes, elas têm!

O menino olhou com desconfiança para o velho, mas não falou nada. Então o Ancião continuou.

- A natureza era mais respeitada, era uma relação de troca e respeito mútuo. Mas com a chegada dos novos povos, isso tudo se perdeu. Eles derrubavam carvalhos centenários como se fossem apenas gravetos. Usavam a madeira para construir fortes, navios. Consumiam e consumiam, sem respeito. Eles desrespeitaram quem estava aqui há mais tempo que eles, quem sempre esteve aqui e foi a grande provedora, a grande mãe de todos nós. Meu povo não podia fazer nada, não éramos páreos. Mas mesmo assim, resistimos e tentamos protegê-la. Mas, - entristeceu-se - eventualmente, fomos derrotados e obrigados a fugir para não ser mortos pelos novos povos. - os olhos do Ancião encheram-se de lágrimas que foram contidas.

- Quem era este povo, que derrubava árvores?

- Ora, meu jovem... São seus antepassados. - voltou a sorrir mesmo com água em seus olhos verdes, o Ancião.

O menino estremeceu, arregalou os olhos. Achou que o velho tentaria algum tipo de vingança.

- Mas a história não termina aí - continuou o homem - Os deuses foram consultados. Runas, oráculos, sábios... Nossos deuses Dagda, Danu e Cernunnos falaram com nós. - o Ancião fez uma pausa, franziu a testa e continuou - Você sabe o que acontece com as coisas que são esquecidas?

- O que? - perguntou o menino.

- Elas deixam de existir! Elas perdem sua força e acabam simplesmente deixando de existir. Não é nada similar com a morte. Pois quando alguém morre, você ainda lembra-se dela, as memórias ainda pairam no ar, por muito tempo. Não é verdade? Então, os deuses nos incumbiram de existir, para proteger a natureza e ter certeza de que, enquanto existirmos, o Espírito da Floresta não seja esquecido. Enquanto eu viver, o Espírito da Floresta não será esquecido. Assim, a natureza não perderá sua força e, quem sabe, algum dia poderão voltar a respeitá-la.

- Mas isso aconteceu há muito tempo, não é? Você não parece ser tão velho assim... - indagou o menino.

O ancião riu, achou graça do que o menino tinha dito.

- Precisamente, jovem rapaz! Eu sou mais velho que seus antepassados, sim. Eu, como era o mais velho e mais sábio, recebi a incumbência dos deuses. E isto significa que viverei exatamente o que precisarei viver. Agora, é hora do chá!

O Ancião levantou-se com um pouco de dor nas pernas e foi até perto da mesa redonda e, em uma caixa de madeira, pegou dois copos escuros de barro. Ele voltou para perto do caldeirão e, com uma concha, encheu os copos com um chá verde-amarelo bem claro. Logo depois, ele colocou uma raíz crua dentro dos copos e deu um para o menino.

- O que é isso? - perguntou a criança.

- Chá, oras. Escolhi ervas específicas para fazer uma bebida revigorante e que matasse nossa sede.

- Eu estava falando da raíz.

- É só para adoçar o chá. Vamos, beba! - disse com um sorriso no rosto.

O menino, desconfiado, experimentou o chá com a língua enquanto o Ancião amassava a raíz no copo. Então, surpreso, gostou do chá. Era algo entre erva cidreira e hortelã, bem perfumado e refrescante. O menino, imitando o gesto do Ancião, começou a amassar a raíz no copo para adoçar ainda mais o chá.

- E então? O que achou?

- Muito bom!

- Que bom que gostou! A natureza realmente é algo espetacular, não? Ela nos provém alimentos, moradia, segurança, proteção e até coisas pequenas e interessantes. Você sabe como é feita aquela tinta preta? - o velho apontou para a mesa aonde o pote com tinta preta estava.

- Como?

- É simples. Basicamente carvão moído, água e uma espécie de cola natural! O papiro é feito de fibras naturais. É como se a natureza estivesse nos convidando a escrever e desenhar. Até instrumentos musicais são feitos de coisas encontradas na natureza. Mas... é lógico que também há o metal, e dele se fazem armas. Apesar de tudo, infelizmente, as armas têm de existir. Não sei teríamos conseguido fugir para a floresta se não tivéssemos nos defendido com metáis...

Os dois se serviram de chá mais uma vez, e uma outra vez ainda.

- Me contaram uma história, uma vez, há muito tempo atrás. Essa é a outra pequena história que eu ia lhe contar. Ela começava com vários druidas sentados ao redor de um caldeirão, no meio da floresta, perto de um altar feito de rochas. Era uma cena muito intrigante. Os druidas estavam conversando com os deuses. E os deuses estavam muitíssimos preocupados com o nosso mundo. Eles disseram que uma tragédia aconteceria com os povos da floresta, e chegaria um dia onde só haveria um de nós. E este seria encarregado de passar o legado para um escolhido que viria de fora dos povos da floresta. Disseram que precisaríamos continuar o legado, não importa o que acontecesse. Essa história foi passada de geração a geração até chegar a mim.

O menino franziu a testa, olhou para o chão por alguns segundos e voltou o olhar para o Ancião.

- E como o druida saberia quem era o escolhido?

- Ele simplesmente iria saber! O destino é algo muito curioso, não?

- É, eu acho que sim. - respondeu o menino, pensativo.

- Diga-me, garoto, que cor são seus olhos?

- O direito é verde e o esquerdo, azul.. Meus pais me fizeram com defeito.. - disse o garoto, quase que se desculpando.

O Ancião abriu um sorriso e tocou um pingente que carregava no peito. O pingente era circular e era composto por uma árvore prateada no centro e traços dourados entrelaçados em volta.

- O que o escolhido haveria de fazer?

- Ah, eu estava guardando para o final - disse, sorrindo.

Nesse momento o Ancião se levantou novamente. Foi até a parede do fundo da cabana, onde havia um pedaço de pano verde escuro estendido e preso na parede, cobrindo algo. Ele puxou o pano para o lado e então mostrou algo muito bonito para os olhos de qualquer um. Era algo que o menino nunca tinha visto em toda a sua vida: um cajado feito de madeira, que abrigava uma pedra verde e cristalina na ponta. A madeira era escura. Era bem rústico. O cajado era um pouco menor que o homem. Se ele o segurasse contra o corpo, ficaria até a altura de seu queixo. A pedra era protegida por um emaranhado de galhos que pareciam ter sido esculpidos manualmente, formando uma redoma, que parecia proteger a pedra. Era a coisa mais bonita que ele já havia visto em toda a sua vida.

Ele se aproximou do objeto bem devagar. O Ancião então disse:

- Este é o Cajado do Espírito da Floresta. Enquanto alguém puro e honesto o possuir, o espírito seguirá na memória de alguém. Haverá um dia em que a floresta, a mãe provedora, será respeitada como antes. Até lá, seu espírito não pode ser esquecido. Com o final da era dos druidas, do povo das florestas, os oráculos, que fizeram parte da pequena história que te contei, profetizaram que o escolhido dos povos de fora carregaria, com si, duas gemas de cores diferentes - verde e azul - simbolizando a floresta e suas águas.

O menino arregalou os olhos e abriu a boca para falar, mas palavras não saíram.

- O escolhido é você, garoto. Eu poderei continuar minha jornada, se você assim, aceitar.

- Do que você está falando?! Não me acha muito pequeno para ter essa responsabilidade? E... minha família? - ele se perguntou se havia alguém com quem se importasse, de sua família - Eu... não tenho família. Meus pais morreram... Eu não quero ficar sozinho...

- Você não vai ficar sozinho, garoto! Você vai ter os peixes, os pássaros, os esquilos, os alces, os cães, os cavalos, as lebres, raposas, gatos e até as árvores! Cada um tem uma apaixonante visão das coisas. Acredite em mim, você vai ganhar muitos amigos. Não vai lhe faltar comida também. A floresta provém o escolhido com tudo o que precisa. À noite, os espíritos que moram na floresta tocam instrumentos e dançam ao redor de fogueiras. Você é bem vindo a se juntar a eles enquanto assa batatas! Os habitantes irão te dar as boas vindas e você logo se sentirá em casa.

- Não parece ser tão ruim assim... - disse o garoto, deixando um pequeno sorriso brotar no canto do rosto.

- E não é! Acredite em mim, eu odeio a idéia de largar tudo isso para trás, mas os deuses disseram que eu só viveria até o dia em que eu precisasse. E eu acho que esse dia chegou... Estou muito cansado, garoto.

O Ancião finalmente se dava por vencido. Sua espera havia terminado. Ele chegou perto do garoto, tirou um pote pequeno de dentro de sua bolsa, o abriu e passou o dedão dentro do pote. Seu dedo estava coberto por alguma tinta azul.

- Feche os olhos - disse o Ancião.

Ele passou o dedo na altura dos olhos do garoto, de um lado até o outro, formando uma mancha azul da orelha direita, passando ao redor dos olhos, topo do osso do nariz e chegando até a orelha esquerda.

- Pode abrir os olhos agora.

O menino abriu os olhos. O Ancião fechou os olhos, abaixou a cabeça e disse algumas palavras em alguma linguagem antiga que o garoto não conhecia. Ele abriu os olhos, sorriu e lhe passou o pingente que mais cedo fora tocado como sinal de agradecimento aos deuses.

O menino instantaneamente se sentiu um homem. Ele estufou o peito e fez um sinal de respeito para o Ancião com a cabeça. Ele se sentia novo e pronto para iniciar sua jornada.

- Você é meu irmão agora. O resto virá com o tempo. A floresta irá te ensinar.

- E agora? - perguntou o garoto.

- Agora, meu caro amigo, eu irei para o norte me encontrar com meus antepassados. - disse com um largo sorriso no rosto - Tenho certeza de que você fará um ótimo trabalho, sendo um guardião da floresta.

- Eu lhe verei de novo? - perguntou o garoto.

O velho colocou a mão direita no ombro do menino e então, com um sorriso e um olhar de quem está orgulhoso, disse:

- Quando eu me tornar um dos espíritos que habitam a floresta, certamente estarei ao seu lado. E lembre-se: sempre confie na natureza... nos animais, nas árvores e nos deuses.

Eles se abraçaram e então o velho se dirigiu até a porta da cabana. Bateu três vezes e, sem olhar para trás, entrou na floresta, assoviando alguma música folclórica.

O menino, que agora havia se tornado um homem, ficou para trás e se orgulhava de ocupar aquele posto, de guardião da floresta. Ele se serviu de mais chá, notou que haviam alguns ramos de ervas frescas ainda perto do caldeirão e tentou memorizar suas aparências e características. Foi até a mesa redonda e folheou algumas anotações do Ancião, absorvendo seu conhecimento. Depois, ele foi até a parede da cabana onde o cajado estava pendurado e se apossou dele, o segurando de maneira imponente e firme. Nesse momento ele sentiu que algo havia mudado: ele se sentia parte da floresta, da natureza. Respirou fundo e se sentiu feliz por estar lá. A pedra verde agora radiava uma luz intensa e perfeita. O cajado se sentia seguro com o novo dono. E isso é muito importante. Significa que o Espírito da Floresta sabia que não seria esquecido.

Depois de algumas horas, animais começaram a se juntar na frente da cabana, esperando o novo escolhido aparecer. Eles estavam curiosos e queriam conhecê-lo. O menino notou a agitação fora da cabana e abriu a porta. Ele se surpreendeu com a visão que teve: cães, pássaros, cervos, lobos, gatos selvagens, lebres, esquilos e muitos outros estavam lá. Um lobo branco com preto foi o primeiro a cumprimentá-lo. Ele chegou perto do menino e se apresentou, lambendo a mão do garoto, que logo coçou a cabeça do lobo. O lobo disse ao menino que todos os amigos do Ancião seriam amigos dele também. Depois do lobo se apresentar, foi a vez de um cavalo, um cervo, um gato selvagem, uma lebre, um esquilo e mais para o final, uma águia pousou em seu ombro e disse que o acompanharia para onde quer que ele fosse.

O menino então, se sentiu emocionado e deixou uma lágrima escorrer de seu rosto. Era a companhia que ele sempre quis.

Ele respirou fundo, bateu três vezes na porta de madeira, saiu da cabana e foi conhecer mais a floresta e suas árvores falantes que abrigavam deuses.

E assim foi. O lobo e a águia sempre seguiam o rapaz, para onde quer que ele fosse. Eram amigos, assim como os outros animais eram amigos do menino. Ele se sentia em casa. E até hoje ele vive, protegendo a flora e a fauna, esperando que algum dia a natureza tenha o mesmo respeito que nos tempos dos druidas.

Woods give no shelter and the trees they are bare
Snow's lying all around
And the children they are crying
For the bed on which they're lying
Is frozen to the ground

Tannahill Weavers - The Terror Time

quinta-feira, 25 de março de 2010